Em primeiro lugar, considero importante fazer uma distinção entre uma dificuldade de aprendizagem e um distúrbio de aprendizagem. Uma vez, que é comum, a confusão dos conceitos até mesmo, por profissionais.
São dificuldades quando estas não estão somente centradas na criança, ou seja, no seu processo de aprendizagem, mas também no processo de ensino (professor), em uma situação emocional e na organização social. As dificuldades são pontuais, específicas e devem ser tratadas por especialista (fonoaudiólogos, psicólogos, psicopedagogos, outros). Já os distúrbios ou transtornos são termos que se referem a questões patológicas, que sugerem comprometimentos neurológicos das funções cerebrais.
Ciasca, (2003, p.5) coloca a seguinte ressalva na definição de Distúrbio de Aprendizagem:
Considero Distúrbio de Aprendizagem como uma disfunção do Sistema Nervoso Central. Portanto, um problema neurológico relacionado a uma falha na aquisição ou no processamento, ou ainda no armazenamento da informação, envolvendo áreas e circuitos neuronais específicos em determinado momento do desenvolvimento. E considero como tendo uma Dificuldade Escolar (DE) a criança que não aprende por ter um problema pedagógico relacionado à falta de adaptação ao método de ensino, à escola, ou que tenha outros problemas de ordem acadêmica.
(CIASCA, Sylvia Maria.)
A autora faz uma diferença entre Distúrbio de Aprendizagem e Dificuldade Escolar, que normalmente é denominada de Dificuldade de Aprendizagem, e informa que no Brasil cerca de 30ª a 40% das crianças que frequentam os anos iniciais da escola apresenta Dificuldade Escolar (DE), enquanto o Distúrbio de Aprendizagem (DA) fica em torno de 5 a 7%. Em países mais desenvolvidos a porcentagem do Distúrbio de Aprendizagem (DA) permanece, mas a de Dificuldade Escolar (DE) fica em torno de 10 a 15% das crianças nos anos iniciais de escolaridade.
Na época do estágio psicopedagógico, atendi com supervisão, o caso de uma criança (10 anos), é, segundo a família, uma criança esperta e muito amorosa. Desde o início de sua alfabetização apresentou dificuldades de reconhecimento de palavras de maneira correta e fluente, com insatisfatória soletração e decodificação, demorou a aprender os nomes das letras e memorizá-las. Desde então, apresentava dificuldades em leitura, escrita, problemas matemáticos e para se expressar, com baixo desempenho escolar, problemas comportamentais, falta de atenção, concentração e desinteresse. Ainda na anamnese, a família chegou com a fala da orientadora da escola, que o filho tinha TDAH, porém, não existia um diagnóstico fechado. Informei que o diagnóstico só poderia ser feito por uma equipe multidisciplinar, pois existem vários aspectos a serem avaliados até chegar a um diagnóstico, outro ponto abordado, foi que em alguns casos a criança não possui o TDAH, e sim uma dificuldade de aprendizagem, por isso a importância de uma investigação cautelosa e multidisciplinar.
Concluída a avaliação psicopedagógica, iniciei as intervenções pedagógicas para as dificuldades observadas, enquanto aguardava um retorno dos encaminhamentos realizados para investigação psicológica e psiquiátrica.
Já com o descarte do diagnóstico de TDAH, realizei a devolutiva para família, na qual foi ressaltada o seu importante papel no processo de desenvolvimento do filho, principalmente, no que refere a impor limites. Falamos também das questões emocionais, o ambiente ao qual o indivíduo pertence e bem como das circunstâncias que o rodeia, podem interferir no comportamento e no seu processo de aprender.
Na devolutiva para escola, abordei a importante parceria com a família e sua inclusão, para que ela participe do processo de ensino e aprendizagem e compreenda quais as dificuldades do aluno, afim de que o mesmo receba também o apoio familiar. A família deve ser o elemento de apoio do aluno, de proteção e de estabilização.
Aprendi em minha experiência, que famílias quando não bem orientadas acabam se transformando em um elemento que potencializa as dificuldades de aprendizagem. Logo, se o aluno apresenta dificuldade de atenção, a família deve conhecer o que significa um déficit de atenção para assim enfrentar o problema com maior facilidade. Acredito que o ambiente familiar seja o apoio para o sucesso de nossa intervenção.
Conversamos a respeito das dificuldades escolares serem bastante recorrentes na vida escolar, mas que a escola deve intervir diariamente para ajudar na reestruturação interna e na sua organização dos alunos que apresentam tais dificuldades. Para isto precisam de ambientes ordenados, com normas e limites claros. Entre algumas ações interventivas dos professores, pude destacar: ajudar na orientação temporal e espacial, colocando de forma visível e ordenada as atividades propostas para o dia de aula, repetindo, mais de uma vez, o que se espera que o aluno faça; conceder maior tempo para que a realização da tarefa proporcionasse maior segurança; dar instruções tanto orais como escritas.
A família deve se apresentar de forma consistente diante do filho, apoiando a condução do seu desenvolvimento e comportamento por meio de uma visão integradora, que inclua não somente seus pontos fracos, mas suas competências e principalmente os pontos fortes. Assim, ao valorizar suas qualidades apoiamos o desenvolvimento de sua imagem pessoal e autoestima, fator fundamental para uma criança com dificuldade de aprendizagem.
Devemos mudar a forma de nos referir às crianças com dificuldade. Não é incomum encontramos professores e até mesmo familiares que se referem a elas em termos negativos, enquadrando-as como preguiçosas, desorganizadas e até mesmo, menos inteligentes. Muitas vezes as crianças acabam acreditando e se convencendo que são assim mesmo e pior, acabam se comportando como tal. Precisamos orientar os envolvidos a mudar o olhar, o foco para o positivo a fim de resgatar as qualidades que certamente existem nessas crianças.
“Não existe criança que não aprenda. Ela sempre irá aprender, algumas de modo mais rápido, outras mais lentamente, mas a aprendizagem, com certeza absoluta, se processará, independentemente da via neurológica usada, mas utilizando-se de uma associação infalível, baseada em uma vertente básica: ambiente adequado + estímulo + motivação + organismo. Talvez essa seja a chave que procuramos para encaminhar os Distúrbios de Aprendizagem e as Dificuldades de Escolaridade.”
(CIASCA, Sylvia Maria)
Para finalizar, destaco a afirmação acima, que acredito tão verdadeira a respeito de que as Dificuldades de Aprendizagem e os também chamados Distúrbios ou Transtornos de Aprendizagem não devem impedir a aprendizagem da criança e nem mesmo ser a causa da não aprendizagem.
Referências
CIASCA, Sylvia Maria. Distúrbios de Aprendizagem – uma questão de nomenclatura. Revista Simpro, Simpro-Rio, 2003. In:
www.sinpro-rio.org.br/download/revista/revistadificuldades.pdf. Acesso em 09 nov. 2019.